sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

Brasil restringe publicidade a tetinas e chupetas

Lei rígida impõe guerra silenciosa ao setor de chupetas e mamadeiras - Valor Económico 02/12/2005

Chris Martinez de São Paulo

Uma lei rigorosa que proíbe, desde 2002, qualquer tipo de publicidade ou, até mesmo, promoção de bicos, mamadeiras, chupetas e protetores de mamilos no ponto-de-venda mudou radicalmente a estratégia das fabricantes do setor. Os bebês que emprestavam seus rostinhos bonitos para comerciais, na telinha ou em revistas, perderam o lugar cativo, e a competição entre as empresas tornou-se uma guerra tão silenciosa que passa despercebida aos olhos do consumidor.

O assunto é polêmico. Joga em lados opostos o Ministério da Saúde e ONGs, que querem incentivar o aleitamento materno, e as fabricantes do setor. Além do duelo entre governo e iniciativa privada, abriu-se uma rivalidade dentro do próprio setor: grandes fabricantes tentam conter o avanço das empresas informais, que vendem produtos a preços bem menores.

"Não somos contra o aleitamento, mas estamos sendo penalizados porque a lei nivelou por baixo todas empresas", diz Nelson Mussolini, diretor corporativo da Novartis. A multinacional do setor farmacêutico lidera o ramo de puericultura desde que comprou a Lillo, maior empresa nacional, e reforçou o negócio com a marca internacional Gerber.

Distantes da mídia, sem armas de comunicação para chamar a atenção do freguês e sem poder de barganha para fazer o Ministério da Saúde voltar atrás, as grandes fabricantes tiveram que baixar preços para brigar nas gôndolas. Também foram forçadas a fazer um austero corte de custos para não entrar no vermelho.

A Lillo by Gerber terceirizou parte da produção, demitiu 50 funcionários (de um total de 450) e passou a produzir no Brasil o silicone usado no bico da mamadeira e das chupetas, em vez de importar dos Estados Unidos. Hoje, a fábrica de Campo Grande (RJ), que veio com a aquisição da Lillo, opera com capacidade ociosa. A empresa dispensou 70 promotoras que faziam ações no varejo.

Mussolini não nega que, eventualmente, a unidade brasileira possa ser fechada, mas acredita que ainda é cedo para falar no assunto. "Uma multinacional desse porte nunca faz investimentos de curto prazo." No ano passado, a Novartis fechou a fábrica da Gerber na Argentina - por problemas de mercado e não de legislação.

A Gerber contabiliza, ainda, duas tentativas frustradas de estrear no mercado de papinhas para bebê no país - a última delas, no ano passado. A primeira foi na década de 70, quando a Gerber ainda não tinha sido mundialmente adquirida pela Novartis. A Nestlé continua sozinha no setor.

A austríaca MAM, que desembarcou no país antes da proibição mais rígida, vem adiando o investimento na construção de uma fábrica no Brasil. "A unidade poderia servir de base de exportação para a América Latina", diz Jorge Pasquotto, presidente da empresa. Ele observa que a MAM compensou suas vendas, ao ampliar a distribuição, aumentar o número de itens em seu portfólio e chegar até o varejo de supermercados.

Com quase 50 anos, a brasileira Neopan também fez corte de pessoal na sua fábrica de Santo André (SP) e vai fechar este ano no vermelho, segundo César Sansano, diretor geral da empresa e presidente da associação que reúne as empresas do setor, a Abrapur. Sansano diz que as vendas físicas do setor vêm caindo 10% nos últimos dois anos. Por mês, o Brasil produz 1,5 milhão de mamadeiras e 3,2 milhões de chupetas

Sob pena de serem multadas até mesmo se oferecerem descontos nas prateleiras, as empresas silenciam sobre a queda de preço e pouco falam sobre suas estratégias de vendas. A maioria delas capricha nas negociações de vendas com o grande varejo de supermercados. Consegue, com isso, um efeito de redução de preço na gôndola.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem sido firme na fiscalização. A técnica Ana Paula Massera diz que, antes de serem punidas, as empresas recebem um alerta, mas se não cumprirem as regras podem ser multadas em até R$ 1,5 milhão. A lei obriga os fabricantes a advertir os consumidores em suas embalagens.

Na tentativa de ganhar a simpatia do médicos, que em geral são contra o uso de chupetas e mamadeiras, algumas empresas têm visitado consultórios. A MAM, que importa toda a linha de produtos, reuniu-se recentemente com pediatras ortodônticos para falar sobre o seu bico de mamadeira ortodôntico e escovas de dentes.

Na lei que limita a comercialização - na verdade são três normas com poder de lei, uma das quais originada em 1988 - o governo alerta sobre os riscos que o uso desses produtos podem causar à saúde dos bebês. "Chupetas e mamadeiras podem provocar disfunção motora e gerar problemas ortodônticos, além de cáries", alega o pediatra Marcus Renato de Carvalho, que desde 1998 faz parte da Ibfan, uma ONG em defesa do aleitamento materno.

Carvalho diz que no Brasil o desmame dos bebês é precoce, influenciado pelo uso das mamadeiras. E o tempo médio de amamentação exclusiva (sem a introdução de outros tipos de leites) é de apenas 23 dias, enquanto o recomendado é de 180. "Mas esses dados vêm crescendo", diz. "O Brasil tem um grande programa de incentivo e já possui um dos maiores bancos de leite dos mundo, com 274 pontos de coleta." Os médicos defendem a amamentação até o sexto mês e, depois disso, a introdução de outros alimentos e água de coco, dada ao bebê em colheres ou copos.